- Usamos muito a palavra vida. Temos, porém, certa dificuldade em compreendê-la apropriadamente. A vida humana é o empenho de ser e tornar-se humano. Aparentemente, ser e tornar-se são opostos: “ser” é estático, sem movimento; “tornar-se” é dinâmico, é movimento, é devir. Na realidade, porém, nada há o que não seja a dinâmica de um mover-se. Por exemplo, o deslocar-se de um lugar para outro é um tipo de movimento; estar parado tinindo na dinâmica da oração é um outro tipo de movimento. Ser e tornar-se, portanto, dizem à dinâmica o vigor de diferentes modos de movimentos que são ao mesmo tempo contenção do vigor e sua expansão.
O movimento de uma pedra lançada ao ar é ser e tornar-se: chama-se ocorrer. Sua dinâmica é ser ali simplesmente. O movimento de uma planta, que de semente se torna árvore, é ser e tornar-se: chama-se vegetar. Sua dinâmica é evoluir. O movimento de um animal que nasce, cresce e se consuma, movendo-se conforme o instinto, é ser e tornar-se: chama-se viver. Sua dinâmica é sentir.
O movimento do homem é todo próprio e não pode ser compreendido a partir de nenhum ser e tornar-se de outro tipo. O movimento próprio do ser e tornar-se humano chama-se liberdade. Mas a liberdade, usualmente, não é compreendida bem, pois, a entende-se ao modo de planta ou animal; portanto, ao modo de evolução ou de vitalidade. Nesse entendimento, liberdade é antes de tudo estar livre de impedimentos ou viver solto e espontâneo.
Na realidade, porém, o modo de ser e tornar-se da liberdade é conhecer e amar. Estes são o modo de ser e tornar-se que caracteriza o Encontro. No encontro, conhecer não é saber. É antes, se dispor à revelação, abrir-se à afeição do toque anterior a mim, diferente de mim, que vem ao meu encontro se desvelando na intimidade do seu mistério; é conhecer. No encontro amar, não é cobiça da posse. É antes, a recepção grata do que vem ao meu encontro como o inesperado desvelamento do mistério e lançar-se de corpo e alma na disposição de identificação com o radical outro.
Conhecer e amar, portanto, pressupõe o outro. O outro como pessoa. Quem e como é a pessoa só se pode ”saber” com precisão no encontro com Deus, no relacionamento pessoal dele com cada um de nós. Deus é o radical outro que, ao mesmo tempo, é ”o mais íntimo do meu íntimo”, por Ele nos amar primeiro (1Jo 4, 19). Todas as outras variantes de encontro, mesmo as mais deficientes e ”decadentes”, têm fascínio e atrativo porque de alguma forma são ecos e repercussões do Encontro, no conhecer e amar do Radical Outro com cada um de nós.
Assim, a Vida, na sua última instância, é ser e tornar-se ”conhecer e amar” a Deus, recebendo com gratidão o ”conhecer e amar” de Deus que vem ao nosso encontro, dando-se e amando-nos primeiro para sermos e nos tornarmos como Ele no ”conhecer e amar”.
Essa identificação com Deus no ”conhecer e amar” implica ”conhecer e amar” todos os homens, um por um, isto é, o próximo como a mim, isto é, como Deus me ”conhece e ama”. Daí o mandamento: ”Amarás ao Senhor teu Deus, com to¬do teu coração, com toda tua alma e com toda tua mente” e ”amarás o próximo como a ti mesmo” (Mt 22, 37-40).
”Amarás o próximo como a ti mesmo” pertence ao ser e tornar-se próprio do homem no sentido geral. No ser e tornar-se próprio do ser cristão se radicaliza e se transforma no Novo Mandamento: ”Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,1-5; 12-17; 34-35). Esse ser e tornar-se próprio na radicalização cristã se chama Seguimento de Jesus Cristo como o processo de identificação com o Deus de Jesus Cristo. Sua aprendizagem se chama Discipulado.