Noite de inverno nas cercanias de Belém na Judeia. Do lado de fora da casa, no descampado, nasce uma criança ao desabrigo. Na falta de enxoval próprio, a mãe enfaixa-a com paninhos; na falta de berço, reclina-a no comedouro dos animais. Pois ”não havia um lugar para eles dentro da casa” (Lc 2, 7) superlotada de peregrinos recém-chegados para o recenseamento ordenado pelo imperador Augusto. José, descendente da casa de Davi, para lá viera com sua esposa porque o alistamento devia ser feito por ”cada um na própria cidade” (Lc 2, 3)
Os pastores, ocupados em seus afazeres no campo, viram-se, de repente, envolvidos por uma celeste luz. Era o Anjo do Senhor a lhes aparecer e dizer: ”Não temais! Eis que eu vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo: Nasceu-vos hoje um Salvador.” (Lc 2, 10)
A maior notícia da história, a maior Boa Nova de todos os tempos não foi anunciada, em primeira mão, em algum lugar importante do mundo, nem a recebeu, por primeiro, algum grande líder da época. Belém era ”o menor dos clãs de Judá” segundo o profeta Miqueias (5, 1) e os felizes destinatários da mensagem do Anjo eram humildes pastores que ”durante as vigílias da noite montavam guarda a seu rebanho” (Lc 2, 8), gente mal vista pela sociedade daquele tempo, em razão de sua conduta antissocial.
A notícia é motivo de ”uma grande alegria” por ser a realização de um grande sonho da humanidade. Sonhamos todos com um mundo justo e fraterno, onde os bens da Terra sejam compartilhados por todos, onde cada pessoa seja reconhecida como irmão, onde se ame a Deus sobre todas as coisas. Sonho este maior do que a fragilidade humana é capaz de concretizar. Para tornar esse sonho realizável, nasce, então, o Messias esperado, como um de nós e no meio de nós. O rosto humano de nosso Deus, tal como se manifesta na história, é o da pobreza, da impotência e da infância, valorizando a grandeza e a dignidade do ser humano.
Os pastores ficaram felizes porque entenderam logo a mensagem: ”Nasceu-vos hoje um Salvador que é o Cristo Senhor”. Quando aconteceu a vinda de Jesus, o povo de Israel, ”com ansiosa expectativa” (Lc 3, 15), esperava o Messias, o homem escolhido por Deus e cheio do seu Espírito que haveria de vir para realizar a justiça na Terra. Em outras palavras, o povo esperava o Reino de Deus, plenitude de todas as suas aspirações. E as Escrituras diziam que o Reino viria por um Servo de Deus, descendente de Davi, Rei da Justiça, grande profeta, amigo dos pobres e humildes... Ao escutar a mensagem do Anjo, os pastores lembraram-se das profecias que sustentavam a sua fé e compreenderam que o dia da libertação havia chegado.
Para que a mesma mensagem chegue até nós, devemos nos colocar na mesma onda dos pastores. Do contrário, poderemos buscar um Cristo muito diferente daquele que vem. O tom e o clima da alegria do Natal não podem confundir-se com agitação, gasto excessivo de dinheiro, consumo para os que têm... sofrimento para os que não têm. A alegria do Natal é realmente para ”todo o povo”. Infelizmente, muita gente não está em condição de viver a experiência do nascimento do Salvador em seu coração, cheio de egoísmo, onde não há lugar para Ele. Celebrar o Natal na verdadeira alegria é sonhar com um mundo de justiça, fraternidade, paz profunda, tendo consciência de que esse projeto de vida só se constrói no seguimento daquele que nasceu para que todos cheguem à plenitude da vida. Condição fundamental para segui-lo: reconhecer, na Criança do presépio, o rosto humano do nosso Deus. É toda a razão da nossa alegria anunciada pelo Anjo.
(Dom Eduardo Koaik, 1926-2012, foi bispo auxiliar do Rio de Janeiro e bispo de Piracicaba)